Desafiando a Gravidade
Bella – Narração:
Edward e eu praticamente fugimos da boate. Perto da entrada do Bucaneiro, pegamos um táxi e seguimos rumo ao Oceano Atlântico. O tempo passou como o vento pelas janelas abertas. Menos de uma hora depois, já estávamos em uma praia perto de Titusville. Uma estrada nos levou ao antigo farol Hudson, localizado em cima de um penhasco rochoso com mais de vinte metros de altura. Era um ponto turístico bastante visitado, mas àquela hora do dia, só havíamos nós, subindo as largas escadas que levavam ao farol.
Ao chegarmos no topo, a paisagem simplesmente nos deslumbrou. A luz do farol ainda iluminava o céu púrpura e laranja enquanto o sol emergia lentamente do mar. Caminhamos pela grama orvalhada ao encontro do farol, e por mais que eu quisesse expressar minha admiração, não conseguia. Era uma daquelas horas em que o silêncio faz parte da beleza do momento. Meu amigo devia estar na mesma sintonia que eu, pois também permaneceu calado. A única coisa que podíamos ouvir era o vago soar das ondas batendo nas rochas.
Rodeamos o farol explorando o local, mas era o horizonte que mais me atraía. Me aproximei da ponta do penhasco e senti Edward logo atrás de mim.
- Bella...
- O que estamos fazendo aqui? - Completei sorrindo. Eu bem sabia que era isso que há tempos ele queria perguntar. Dei mais cinco passos à frente sentindo a brisa do novo dia tocar minha face. - Aqui é mais bonito do que eu imaginava.
- Nunca esteve aqui? - Se colocou ao meu lado.
- Não, mas meu pai sempre falou muito desse lugar. - Inclinei-me um pouco para frente e olhei pra baixo. Ao ter maior consciência da altura, me enchi de medo e recuei. - Ele sempre comentava que quando se formou na universidade, ele e os amigos comemoraram aqui. Edward espreguiçou-se, observando o Sol.
Desde que saí do Bucaneiro, já tinha em mente o que iria fazer. Mesmo com medo, segui em frente com meu plano e tirei as botas.
- O que está fazendo? - Ed ficou confuso e eu apenas sorri. - Não, você não irá fazer isso. - Ele finalmente entendeu meu propósito.
- Eu preciso saltar. - Chacoalhei os braços para relaxar. - Viemos aqui para isso. Você está comigo?
Edward se inclinou um pouco, checando a altura.
- É loucura! São mais de 20 metros de queda livre!
Estremeci com o veredicto.
- E daí? - Me fingi de forte. - Achei que você era um destemido homem da selva. - Ironizei. - Nunca pulou de um lugar assim antes?
- É diferente. Não conheço o local, não tenho ideia da profundidade da água ou se correremos o risco de cair nas pedras.
- É confiável, meu pai já saltou uma vez. - Cresci com Charlie me contando como fora sua experiência e por muito tempo fui fascinada pela ideia de me arriscar pulando do penhasco, mas sempre fui medrosa demais para tentar. - Se você não quiser saltar, tudo bem, mas eu vou. - Fui em direção à beirada, só que Edward me deteve segurando-me pelo braço.
- Não é hora para brincadeira. - Se aborreceu.
- Eu quero muito fazer isso. - Me impus, desvencilhando-me.
- Por que? Você não tem medo?
- Sim, eu tenho, e é justamente por isso. - Suspirei olhando para o horizonte. - Estou cansada de ter medo. - O silêncio predominou por alguns segundos até que resolvi partilhar meus pensamentos. - Pode ser que eu esteja ficando louca porque faz mais de 48h que não durmo, mas estou cansada de viver sempre do mesmo jeito, entende? Passei tanto tempo me julgando e me punindo por amar Brad, que muito da minha vida passou e eu mal percebi. Edward, eu nunca mais vou recuperar aquele tempo, e agora nada me apavora mais do que desperdiçar um minuto que seja me prendendo a algo como o medo. Quero desafiá-lo, preciso aprender a não me deixar paralisar por ele. Olha... - Fiz uma breve pausa. - Minhas pernas tremem só de me imaginar pulando desse penhasco, mas prefiro isso a ter uma existência medíocre e sem emoção, em que a vida passe por meus olhos como um flash e eu só consiga me lamentar por não poder voltar atrás.
Meu amigo lutou para encontrar palavras que me persuadissem a desistir, mas vi em seus olhos uma concordância. Ele não conseguia esconder que pensava exatamente igual.
- Espero que saiba nadar. - Sorriu torto e meu peito se encheu de alegria. - Vamos correr para pegar impulso e cair o mais longe possível das pedras. - Tirou os tênis.
- Voaremos, se for necessário. - Brinquei abrindo os braços.
Entusiasmados, afastamos-nos cerca de cinco metros da beira do penhasco.
- Evite cair de barriga. - Avisou, balançando os braços e estalando o pescoço.
- Pode deixar. - Ri de nervoso.
Minhas mãos ficaram geladas e pareciam existir borboletas no meu estômago. Fiquei com medo das minhas pernas travarem e não saírem do lugar. Então, olhei para o lado e notei que, mesmo ansioso, Ed estava bastante empolgado. Era como se a adrenalina fosse vital para ele. O selvagem sorriu pra mim e sua segurança fortaleceu a minha.
- Está querendo desistir? - Indagou provocando.
- Nunca! - Respirei fundo.
Sem que eu esperasse, me obrigou a ficar de frente para ele e segurou as laterais do meu rosto alinhando nossas faces. A proximidade foi tamanha que logo fiquei constrangida. Meu fôlego oscilou no momento em que Edward aproximou ainda mais o rosto dizendo:
- É assim que desejamos boa sorte na minha tribo. - Com suavidade, encostou a testa na minha, fechando os olhos.
Me sentindo tola, fechei os olhos também. Finalmente notei que, para Edward, aquele gesto era natural, não havia outras intenções disfarçadas, pois até pude sentir um certo respeito embutido na tradição peculiar.
- Boa sorte. - Murmurei.
Edward afastou-se e encarou o horizonte preparando-se para correr. Eu também me preparei e procurei não pensar na altura.
- Está pronta? - Perguntou esfregando as mãos.
Trocamos mais um rápido olhar e lhe falei com segurança:
- Finalmente estou.
Minha declaração liberou minhas pernas e coração. Então, no momento em que Ed disse “AGORA!”, corri o mais rápido que pude acompanhando o ritmo do homem ao meu lado. Tudo ficou para trás, não existia nada além do meu corpo em direção ao precipício.
Fui até o fim e meus pés se perderam no vazio enquanto desafiavam a gravidade. Foi impossível não gritar diante da sensação de liberdade e medo. Por um breve momento, tive a nítida impressão de voar acima das águas. Isso foi seguido pelo inevitável sentimento de que não adianta lutar contra a vida. Independente de nossas escolhas, as forças que movem a existência são como um vento forte guiando uma pluma a lugares inimagináveis e a momentos imprevisíveis. Naquele instante eu soube que, ao me revoltar contra o sofrimento, iniciei uma jornada com um final incerto. Até onde eu chegaria?
A queda foi mais longa do que eu imaginei, me fazendo ter uma vaga consciência da altura absurda. Assim que atingi a água, senti-a explodir à minha volta. Submersa, perdi momentaneamente meus sentidos, foi algo apavorante e maravilhoso. A sensação durou pouco, pois fui obrigada a emergir. Logo que o ar adentrou meus pulmões, gritei impulsionada pela adrenalina abrasadora. Nunca senti nada semelhante, era como injetar uma dose cavalar e quase mortal de vida em minhas veias.
Demorei para notar Edward vindo em minha direção, por isso nadei ao seu encontro.
- Incrível! - Ele falou ofegante. - Foi o máximo.
- Eu sei. - Movimentei os braços e pernas ondulando junto com as calmas ondas. - Me sinto tão... viva.
Ambos olhamos para cima e o penhasco pareceu ainda mais grandioso. Em seguida, encaramo-nos e, sem querer, explodimos em uma gargalhada quase que sincronizada.
Defying Gravity - Desafiando a Gravidade
Algo mudou dentro de mim
Algo não é o mesmo
Estou jogando pelas regras
Do jogo de outra pessoa
Tarde demais para repensar
Tarde demais para voltar a dormir
É hora de confiar nos meus instintos
Fechar meus olhos e saltar
É hora de tentar
Desafiar a gravidade
Acho que vou tentar
Desafiar a gravidade
Me dê um beijo de adeus
Estou desafiando a gravidade
E você não me deixará pra baixo
Estou aceitando limites
Porque alguém diz que eles são assim
Algumas coisas eu não posso mudar
Mas até eu tentar, nunca vou saber
Tanto tempo estive com medo de
Perder o amor que achei que tinha perdido
Bem, se isso é amor
Ele vem por um preço muito alto
Pretendo comprar
O desafio à gravidade
Me dê um beijo de adeus
Estou desafiando a gravidade
Acho que vou tentar
Desafiar a gravidade
E você não me deixará pra baixo
Pretendo comprar
O desafio à gravidade
Me dê um beijo de adeus
Estou desafiando a gravidade
Acho que vou tentar
Desafiar a gravidade
E você não vai me deixar pra baixo
Deixar pra baixo
Oooooooooooh!
(...)
Eu não sei exatamente quantas horas dormi, mas quando acordei estava me sentindo muito descansada, tão bem comigo mesma que não tive coragem de levantar da cama. Fiquei observando a brisa que entrava pela janela, brincando com as cortinas.
Ouvi as batidas na porta e sem perder a paz, ordenei que a pessoa entrasse.
- Tá viva, mulher? - Reconheci a voz de Alice. Imediatamente, sentei-me e a fitei, exigindo explicações.
- Onde você estava?
- Eu é que pergunto.
Meu irmão, super animado, entrou no quarto falando:
- Adivinha só o que aconteceu, Bella.
Pensei rápido.
- Finalmente nasceu pelo no seu peito?
- Não... - Ficou cabisbaixo. - Nem todo mundo precisa disso. - Ele tinha trauma.
- Vamos trabalhar de garçons hoje. Vai rolar uma recepção de casamento aqui. - Emm chegou explicando.
- Mesmo? E só agora me falam?
- É porque a senhora agora só anda toda ocupada com o T-zed e esqueceu dos velhos amigos. Do contrário, saberia de tudo. - O bobo resmungou, enciumado.
- Blá, blá, blá... Vai catar sua loira-chave-de-cadeia. - Isso era hora de ele me encher?
- Eu trouxe os uniformes. - Lice exibiu uma sacola plástica.
- A grana vai ser suficiente pra resgatar o carro de Charlie?
- Ainda vai ficar faltando mil dólares. - Jazz esclareceu.
- Se bem que aquilo nem é um carro, é um “pelo menos”... pelo menos não ficamos a pé. - Me queixei.
- Não se preocupem, vamos conseguir. - Lice tentou ser otimista. - O pior é que os novos hóspedes chegam em dois dias... Bel, o que aconteceu com você? - Analisou-me. - Está diferente.
- É, eu também percebi. - Emmett se sentou na ponta da cama.
- Um tornado passou pela minha vida. - Balancei a cabeça sem saber por onde começar.
- Bota tudo pra fora! - Alice colocou as mãos na cintura.
Comecei falando sobre a minha recaída com Brad, o sofrimento pelo qual passei e a conquista de mudanças radicais na minha vida. Contei também minhas aventuras malucas com o selvagem e encerrei falando sobre o salto do penhasco. Meus amigos ficaram bestificados. Não os culpo, eu também mal conseguia acreditar que tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo.
- Uau... - Alice murmurou olhando para o vazio. - Brad? Como eu deixei isso acontecer?
- Brad. - Emm repetiu trincando os dentes. - Eu sabia que o danado ia acabar traçando alguém.
- Será que só vão se prender à esse detalhe? - Fiquei chateada.
- Minha Nossa! Comeram a irmã de Jasper. Acabou-se o respeito por aqui. - Ele cruzou os braços.
- Pessoal, eu estou bem. É sério! Quanto tempo temos antes da recepção? - Levantei-me.
- Ainda são 17:00h, então ainda temos umas duas horas. Não tenha pressa, ainda tem uma galera lá embaixo terminando de decorar o jardim. - Lice respondeu.
- Vou tomar um banho e daqui a pouco desço. - Fui para o banheiro.
(...)
Alice se arrumou em meu quarto e ficou na minha cola, querendo saber mais sobre a ideia de ajudar Edward. Assim que saí do banho, questionou:
- Como vai fazê-lo se apaixonar por uma garota qualquer?
- Eu não espero que ele se apaixone. Vou ajudá-lo a encontrar uma garota bacana e incentivá-lo a dar uns beijinhos... Se ele tiver sorte, quem sabe, não descola uma transa? Você sabe, nada demais. O cara tem 23 anos, por favor, né? O que ele precisa é só um pouquinho de experiência e diversão, pois em breve voltará para o fim de mundo de onde saiu. Eu no lugar dele ia querer aproveitar o máximo possível. Estou fazendo por Edward o que gostaria que fizessem por mim.
- Talvez esteja certa. - Refletiu. - Não seria mais fácil se ele melhorasse um pouco a aparência?
- Xi... Já falei isso pro Ed umas mil vezes. - Mudei de assunto. - Escuta, onde você se meteu ontem?
- Tive que dar um pulinho em Daytona.
- Por quê?
- É um assunto aí meu e do Emm.
- Desde quando tem segredos? Ainda mais envolvendo Emmett?
- Ouviu isso? - Se fingiu de assustada, tentando me enrolar. - Vou ver de onde vem esse som.
- Alice! - Gritei em vão e a louca se mandou.
(...)
Devidamente uniformizada, fui para o escritório de meu pai, já ouvindo os murmúrios dos convidados vindo do jardim. Liguei o computador e fui checar a página de Edward no eutouquerendo.com. Demorei para crer que haviam 28 e-mails em sua caixa de mensagens. As fotos dele com o peito molhado realmente deram resultado. Preocupada com a hora, imprimi as mensagens junto com os perfis das garotas. Organizei da melhor forma possível, grampeando os perfis com fotos às mensagens.
Antes de procurar meu amigo, passei no quarto de Jasper e peguei um par de walkie-talkies que às vezes ele e Emm usavam pra zoar. Saí pela lateral da casa, evitando a parte movimentada do jardim.
- Oi. - Sem cerimônias, entrei na casa da árvore.
- Olá. - Respondeu, guardando um tipo de agenda em sua mochila.
- Olha o que eu trouxe para você. - Exibi as folhas sentando-me no chão. - Temos aqui um monte de garotas bonitas. - Ele pegou a papelada, bastante curioso. - Já decidiu pra quem vai telefonar? Se quiser, podemos ligar para todas que conheceu ontem. - Sorri.
- Hã... - Baixou a cabeça, contendo o riso.
- O que foi?
- Os números sumiram quando mergulhamos no Oceano.
- O quê? - Para informação perturbadora só existe reação exagerada. - AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH! - Extravasei.
- Melhor explodir pra fora do que pra dentro. - O idiota ainda brincou.
- Edward, como pôde deixar isso acontecer? - Fiquei uma fera. - Droga! Tivemos tanto trabalho. Droga! Droga! Droga! Mil vezes droga!
- Desculpe. - Deu de ombros. - Não lembrei dos números quando saltamos pra água.
Rosnei cobrindo o rosto com as mãos.
- Tudo bem... - Respirei fundo me abanando com as mãos. - Não vou perder o controle.
- Podemos tentar conquistar novos números.
- Sem chance! Digo-te, é mais fácil uma agulha passar pelo buraco de um camelo do que eu fazer tudo aquilo novamente.
Por algum motivo, o selvagem fez careta. Até abriu a boca como se fosse me corrigir, mas acabou mudando de assunto.
- Isso tudo são mensagens para mim? - Folheou.
- Sim. Escuta, tenho que trabalhar. Fique aqui lendo tudo direitinho e preste bastante atenção nos perfis. Responda as mensagens que te interessarem em um papel, porque ainda hoje vou tentar digitar no computador e enviar pras garotas.
- Ok.
- Pode ser que tenham escrito gírias que você não entende, então pergunte pra mim através desse walkie-talkie que traduzo pra você. Qualquer dúvida é só me dar um “alô”.
- Entendi. - Pegou um dos walkie-talkies.
Levantei, tirando a poeira da calça preta.
- Ed.
- Sim?
- Não seja muito exigente. - Pisquei o olho.
(...)
Lá estávamos nós, meio perdidos na cozinha movimentada. Todo mundo entrou na “onda de garçom” pra poder descolar a grana do carro. Jully já estava sabendo de todas as nossas presepadas e se dispôs a trabalhar por mim e por Charlie. Já Rosalie..., bem, essa foi literalmente ameaçada de morte sangrenta pela meio-palmo-de-gente mais esquentadinha do pedaço, Alice.
Os funcionários do buffet nos entregaram bandejas. Algumas delas tinham taças de champanhe e outras tinham pequenos vasilhames contendo um líquido branco.
Enquanto passávamos pela sala a caminho do jardim, Lice falou bastante animada:
- Tomara que tenham muitos homens lindos. Faz um tempão que não me engraço com ninguém.
- Concordo. E eu aposto que tem aqueles pedaços de mau caminho vestidos em ternos caros. Ai ai... - Suspirei.
- Deus te ouça. Preciso arrumar um novo marido rico. - Rosalie resmungou. - Estou cheia dessa miséria. Vou ter que fingir que trabalhar é hobby. Nem morta perco a pose.
- Sinceramente... - A verdade era dura, mas precisava ser dita. - Não sei o que você viu no Emmett.
- Ela não viu, não. Eu mostrei foi depois. - Malicioso, deu um tapinha nas minhas costas.
- Vamos lá, pessoal. - Alice interrompeu as asneiras quando chegamos à porta. - Que venham os gatos!
Assim que colocamos os pés no gramado, paralisamos embasbacadas.
- Pela inevitável hora da morte. - Ofeguei.
- Nada de gatos. - Rosalie estremeceu.
- Só cachorros. - Lice choramingou.
E era bicho latindo pra todo lado.
Nós não estávamos preparados pra ver um monte de dondocas desequilibradas celebrando casamento de cachorro. Se não tivesse visto com meus próprios olhos, dificilmente acreditaria.
- Os clientes esperam! - A tia da Alice praticamente nos jogou nas teias da humilhação.
Sem alternativas, passamos a servir as peruas e seus respectivos bichos. Tentei levar na esportiva, mas sempre que olhava pra cadela com vestidinho de noiva e grinalda tinha vontade de tacá-la no rosto de alguém. Eu não tinha uma festa de aniversário decente há anos e a porra da cachorra podia ter um casamento super chiqui? Que mundo é esse?
Me desdobrei servindo as mesas e, quando voltei para a sala, ouvi a voz de Edward vindo do walkie-talkie no meu bolso traseiro.
- Bella?
Peguei o aparelho e respondi:
- Ferrada-da-cidade para Cara-da-selva. Na escuta, câmbio!
- Hã?
É, eu sabia que ele ia dizer isso.
- Se vamos falar pelo walkie-talkie, que seja da forma certa.
- Ah, meu Deus... - Podia jurar que estava revirando os olhos.
- Prossiga companheiro.
- Tem uma frase em uma das mensagens que não entendo. Parece que o significado não é literal.
- Fala aí. - Prestei bastante atenção.
- Uma moça chamada Betty está perguntando se eu não quero “brincar” com ela.
- Responde que sim, maluco! - Qual era a dificuldade? - “Brincar” é o mó barato.
- Bella! - Me repreendeu por enrolar.
- Tá bom... A mulher está a fim de fazer sexo com você.
- Assim, sem nem me conhecer? - Ficou chocado.
- É isso aí. - Tudo que consegui ouvir foi o som de papel sendo rasgado. - Pode ser sua chance, Ed. Cai dentro!
- Cai dentro? - Entendeu errado e não gostou do conselho.
- Juro que falei no bom sentido. - Que trocadilho infeliz!
- Vou continuar lendo as mensagens. - Bufou. - Sem a intenção de “cair dentro”. - Fez questão de deixar claro e eu tapei o rosto, envergonhada.
- Entendido Cara-da-selva. Câmbio, desligo.
- Serviçal? - Alguém cutucou meu ombro.
- Oi? - Me virei.
- Me traga um pouco de leite. - Uma das peruas pediu mexendo no celular. - Droga de Twitter! - Sacudiu o aparelho. Antes que eu saísse, me deteve pelo braço dizendo: - Espere, Beyoncé defecou.
- E isso já está na net? Caramba... Isso é que é globalização. - Embasbaquei.
- Beyoncé, minha cadela. - Apontou para o chão e só aí percebi a presença da criatura assustadora.
- Que raça é essa?
- É um filhote de Xoloitzquintle.
- Hã?
- É uma raça rara, minha querida. - Respondeu com prepotência.
- Ah... tá. - Traduzindo... Era uma ratazana depilada. Nunca tinha visto aquilo na vida, chegava a dar nojo.
- Não perca tempo. Limpe os detritos. - Tirou um pequeno saco plástico da bolsa.
Estreitei os olhos querendo esfregar a cara dela na merda.
- Claro. - Ergui uma sobrancelha me corroendo por dentro.
Tudo pela grana! Tudo pela grana! Tudo pela grana! Repeti mentalmente enquanto limpava a sebosidade.
(...)
Assim que terminei de lavar as mãos no banheiro, Edward chamou-me outra vez.
- Bella?
- Sim? - Respondi pegando o aparelho.
- Que tipo de mulheres são essas? Tem certeza que me cadastrou no local certo?
- Claro, por quê?
- Escuta isso... - Pigarreou. - Gosto de andar na praia, ir ao cinema e principalmente viajar, mas agora não posso viajar porque estou na condicional. Não se preocupe, não sou perigosa. Só atirei, esfaqueei e queimei meu ex-namorado porque ele me traiu. Querido, preciso saber, você é do tipo fiel?
- Seria bizarro dizer que gostei dela? - Fui sincera.
- Você não vai me tirar do sério. - Desligou e eu ri alto.
Fui direto para a cozinha pegar o leitinho da Beyoncé. Invadi o cômodo assustando Emmett e Jazz, os quais me encararam de uma forma bem suspeita.
- Conheço essas caras... - Tratei de pressioná-los. - Vocês não estão aqui só pra forrar o bucho.
- O que é isso? - Meu irmão esbravejou tentado se impor. - Que discriminação é essa? Só porque estamos sozinhos não quer dizer que fizemos algo de errado. - Ele teve um surto de valentia. - JASPER ESTÁ ALTAMENTE OFENDIDO! - Bateu a mão na mesa com força e uma garrafa de 500ml caiu pela barra de sua calça. - E envergonhado. - Murmurou olhando para a tequila.
- O que significa isso? - Peguei a garrafa.
- Em nossa defesa, digo que... - Emmett refletiu, refletiu e refletiu. - Você não tem maturidade pra entender o que tá rolando aqui.
- Jasper? - O fitei emburrada.
- Estamos batizando o leite dos cachorros. - Ele admitiu de cabeça erguida. - A bicharada vai cair na manguaça. Pô, Bella ser garçom de cachorro é DUCA!
- Duca? - Franzi o cenho.
- Sim. Você sabe, du cara...
- Chega! - Interrompi o palavrão. - Não acredito nisso. - Balancei a cabeça cruzando os braços. - Porque ninguém me chama numa hora dessas? Deixa comigo que sou eu quem está tinindo de raiva. - Fui até a panela onde estava o leite e despejei toda a tequila. Até dei uns tapinhas no fundo da garrafa para garantir que tinha colocado até a última gota. - Vamos mostrar pra esse povo quem é serviçal.
(...)
Emmett, Jasper, Alice e Rosalie ficaram amontoados na porta da frente espiando a execução de nossa missão. Saí com uma bandeja cheia de vasilhas com o leite-quila, então olhei para trás e os vi prendendo o riso. Parecia que iam explodir a qualquer momento. Sortuda do jeito que eu era, lógico que ao tirarmos no palitinho me ferrei legal. Conformada, resolvi não choramingar e segui em frente.
Passei pelas mesas deixando as vasilhas e distribuí sorrisos de pura satisfação. Os donos dos bichos me ignoraram como se eu fosse um zé-ninguém, só que dessa vez não me senti humilhada. Sabia que logo teriam o que mereciam.
Fiz questão de servir a cadela Beyoncé por último.
- Senhora, aqui está o que pediu. - Coloquei o leite-quila na mesa e a ratazana depilada bebeu como se fosse água.
- Pode ir. - Sacudiu a mão como se eu fosse sua mucama.
- Claro. - Mostrei todos os meus dentes em um sorriso falso. - Mais alguma coisa, sua cachorra?!
- O quê? - Me olhou feio.
- Mais alguma coisa para a sua cachorra? - Fingi que ela é quem não tinha entendido.
- Não.
- Com licença. - Saí fazendo malabarismo com a bandeja vazia.
- Bella? - Ed falou pelo walkie-talkie.
- Tou na escuta. Adianta a parada.
- Fala a minha língua, ok?
- Algum e-mail interessante, Sr. temperamental? - Um bulldog feinho pra porra ficou me rodeando.
- Uma moça alta e forte me escreveu algo que realmente não entendi. Escuta: “não sou uma garota convencional, provavelmente não faço o seu tipo, mas se quiser queimo o meu pra você a noite inteira”. Bella, como assim “queimo o meu”?
- Alta e forte? - Na hora saquei. - A “menina” gosta de “queimar”? - Tive uma crise de riso e Edward teve que esperar eu me recuperar.
- Como você está? - Perguntou decepcionado com minha reação.
- Eu... eu... - Ofeguei. De repente, o bulldog agarrou minha panturrilha direita e castigou-me me confundindo com uma cadela no cio. - Saaaai! Droga! - Chacoalhei a perna, mas a merda do cachorro estava na seca. - Pra falar a verdade, Ed... me sinto meio violentada nesse momento. - Pulei num pé só e o cão aumentou a velocidade. - XISPA! - O tarado parecia uma máquina. - ME DEIXA! - Gritei chutando com força. O cachorro voou pra longe e eu quis amputar minha perna. NOJO!
- O que está acontecendo?
Tristonha, respondi:
- Estupraram a minha perna.
- Quê??
- Esquece. - Bufei. - Voltando ao assunto... Então, é simples. A menina que te escreveu na verdade não é menina.
- Como assim? - Espantou-se.
- Santa ingenuidade, hein, Ed? Fala sério! É um travesti. Um homossexual.
- Ah... - Ficou desconsertado. - Pela fotografia nunca que eu ia adivinhar que se tratava de um pederasta. - Jurava que ele estava olhando a foto do “queimador”.
- Pederasta? Que troço é esse?
- Santa ignorância, hein, Bella? Fala sério! É um travesti. Um homossexual. - O intelectualóide pagou na mesma moeda. É MOLE?
(...)
Eu e meus amigos ficamos escondidos, atrás da porta principal, espiando o jardim. Estávamos envoltos em um surto de risadas contagiosas. Tínhamos que nos apoiar uns nos outros para suportar as cenas inacreditáveis que presenciávamos.
A cachorrada ficou doida com o leite-quila. Estranhavam os próprios donos enquanto cambaleavam trocando as patinhas, totalmente sem direção. Não deu nem pra sentir pena dos bichos, pois só conseguimos rir deles vestidos como gente na maior gandaia. Os convidados tentaram contê-los, porém nem café forte daria jeito na bebedeira animal.
Foi super show ver a cadela Beyoncé se jogar na piscina em um ato de compreensivo suicídio, pois não devia ser fácil ter uma descerebrada como dona. Como se isso não bastasse, quase molhei as calças vendo a mulher que me destratou mergulhar pra salvar sua ratazana depilada. Só dentro da água foi que a jamanta lembrou que nem ela sabia nadar e o povo teve que resgatá-la.
Poxa, era até injusto sermos pagos, pois o que deveria ser uma noite de trabalho se transformou em um momento de pura diversão, o qual nos lembrou o porque de querermos tanto gerir um resort.
Eu queria ter explicado à Jully o motivo de nosso súbito bom humor, mas eu nem consegui falar. Infelizmente, isso a fez se sentir deslocada. Achávamos que as gargalhadas nunca iriam cessar, até que meu irmão alarmou:
- Caraca! - Apontou para a dona Bogdanov, a qual vinha em nossa direção trazendo sua bagagem.
O intenso humor se transformou em perplexidade e ninguém conseguiu falar nada. Afinal, ela ia morar com a gente?
- Tulin peatada. - Anunciou.
- Quê? - Perguntamos em coro.
- Ela veio para ficar. - Jully não ficou surpresa.
- Rápido, diga que Jazz é gay. - Me adiantei.
Jully encarou meu irmão, esperando seu aval.
- Jasper... - Ele fungou. - Temeu demais esse momento. - Entristeceu.
- Ta on ebamehelik. - Jully apontou para meu irmão.
A reação da cozinheira não foi exatamente a que esperávamos. Primeiro ela arregalou os olhos, depois foi atingida por um tremelique vindo não sei de onde e, por fim, desabou no chão, debatendo-se enquanto segurava o braço esquerdo.
- Entrou em curto? - Emmett ficou confuso.
- Pelo amor de Deus, ela está enfartando! - Jully gritou, tentando sozinha erguer a mulher.
Edward, que já estava vindo em nossa direção, se apressou para ajudar Jully. Só aí percebi que o negócio era mesmo grave.
- Ed, leva a velha pra sala que ela não pode desencarnar aqui. - Fiquei aflita.
Ele carregou a estoniana e a deitou no sofá. A coitada ofegava com falta de ar, por isso Alice e eu tratamos de abaná-la com revistas.
- O que fizeram? - O selvagem ficou aborrecido.
- Mandei dizer que o marido dela é gay. - Confessei.
- O que vamos fazer? - Emm colocou as mãos na cabeça. - Meu Deus do céu!
- Pra quê esse auê? - Jazz interrompeu. - Esse zum-zum-zum não tem cabimento. Deixa a mulher aí no sofá, vamos todos dar uma volta lá por fora. A estoniana não precisa ser socorrida.
Lice indignou-se.
- Ela pode estar morrendo!
- E é da sua conta? - Claro que Jazz queria que a velha se fodesse. - De quem é que ela é esposa? Jasper sabe o que é bom pra mulher dele. - Tomou as revistas de nossas mãos. - Deixa essa xibumga nas mãos de Deus.
- Vocês são todos insanos! - Edward viu que a mulher estava revirando os olhos e passou a lhe fazer uma massagem cardíaca. Sem poder fazer muita coisa, ficamos assistindo.
Meu irmão não se deu por vencido e, de mansinho, se aproximou do selvagem sussurrando com extremo interesse.
- T-zed, e aí? - Cutucou-o. - Sobrevive?
Ed não gostou da pergunta agourenta.
- Eu estou fazendo o possível aqui. Afaste-se! - O empurrou para longe.
- Não precisa se esforçar, viu? - Jazz continha a vibração. - Evite a fadiga. Ninguém aqui quer te ver cansado.
- Por favor, vamos levá-la logo pro hospital. - Pedi.
- Bella tem razão. - Uma luz pareceu acender dentro da cabeça de Jasper. - Vamos partir agora mesmo pra aquele hospital público Santas Dores do Socorro.
- Mas aquilo é um descaso só! - Lice falou alto.
- Por isso mesmo. Ela não morreu aqui, mas lá é garantido.
- Dá licença, dá licença! - Fui empurrando o pessoal, totalmente sem paciência. - Ela precisa beber alguma coisa. - Peguei uma taça de champanhe que estava esquecida na mesinha de centro e coloquei na boca da cozinheira. Com um certo esforço, ela bebeu tudo.
- Pronto, acabou de matar. - Jully revoltou-se, jogando as mãos para o alto.
- Tahad rohkem.
- O que ela disse? - Perguntei para minha prima.
- Quer mais? Mais bebida? - Ela respondeu aturdida. O espanto foi geral.
- Vamos fazer a vontade da velha. Rápido, alguém pega uma garrafa na cozinha. - A estoniana parecia estar se recuperando. Era possível que o açúcar do champanhe estivesse ajudando.
(...)
- E eu achei que já tinha visto de tudo nessa vida. - Falei observando a dona Bogdanov cantarolando cheia de vida pela sala.
- Não devíamos tê-la deixado ficar com a garrafa. - Lice coçou a cabeça.
- Ah, meu Pai... - Meu irmão suspirou tristonho. - A velha não morreu. Não foi dessa vez que Jasper alcançou essa graça.
- Que loucura. - Ed e Jully falaram ao mesmo tempo. Notei que trocaram um breve olhar, mas minha prima baixou a cabeça timidamente.
Fui até a cozinheira e tomei-lhe a garrafa de champanhe, pois começava a me perguntar se ela não tinha fingido tudo.
- Quase todos os convidados foram embora. Logo poderemos iniciar a limpeza. - Emmett anunciou voltando do jardim.
- Jasper ainda vai precisar fingir que é gay?
- Sim. Comece a praticar. - Alice respondeu com firmeza.
(...)
Não consegui dormir. Fiquei rolando na cama buscando pelo sono que nunca chegava. Era torturante, pois minha cabeça ficava cheia de pensamentos. Por mais que eu quisesse evitar, meus olhos sempre se voltavam para o celular em cima da mesinha de cabeceira. No visor mostrava quatro chamadas não atendidas de Brad. Então, a pergunta inevitável era: o que ele ainda queria de mim?
Eu sabia que mais cedo ou mais tarde voltaria a vê-lo e o que mais me importava era estar preparada para esse momento. Eu não poderia gaguejar, soluçar ou fraquejar, pois com toda a convicção que meu ser pudesse reunir o mandaria embora da minha vida de uma vez por todas.
Logo chegaria o momento em que eu tomaria a postura da mulher que gostaria de ser, no entanto tinha receio de me precipitar e enfrentar uma batalha para a qual ainda não estava completamente preparada. O que me enchia de esperanças eram todos aqueles novos sentimentos me circundando, fortalecendo meu espírito a cada dia.
Minha nova visão apontou falhas que antes não percebia e uma delas era a inversão de sentimentos. Antes fingia odiar Brad, mas o amava. Fingia me amar, mas me odiava. Graças a Deus esse infeliz equívoco acabou e eu já conseguia ser honesta comigo mesma.
Agora era clara como o dia a razão que me levou a parar no tempo e não evoluir desde que ele me deixara. Eu fui feliz, fui muito feliz com Brad. A nossa história foi maravilhosa enquanto durou, só que eu simplesmente me neguei a aceitar o fim pondo toda a culpa nele. Tudo bem que McFadden me deixou depois de ter transado comigo, mas e daí? Talvez tenha sido o único erro dele, já que Brad nunca me prometeu coisa algum, nem usou as palavras “eu te amo” para me convencer de nada. McFadden não me amou como o amei e posso culpá-lo por isso?
Era duro admitir, mas a verdade é que fui eu, e não ele, quem causou toda a bagunça. Quando Brad veio se hospedar na mansão, ele quis relembrar os velhos tempos, mas ao invés de eu me impor e mostrar-lhe que o passado não seria revivido, fiz foi puxar todos pra dentro do furacão incontrolável que são meus sentimentos.
Sentimentos...
Que palavrinha mais complicada. Era impossível não me perguntar como seria o futuro. Algum dia amaria outra vez? Existia algo além do amor cego que conheci com Brad? Confesso que tenho medo de nunca vivenciar um amor que supere o passado. Não quero ser o tipo de pessoa que mantém uma relação com alguém e ao mesmo tempo tem parte do coração reservada eternamente para outro. A amargura desse pensamento fez-me fechar os olhos com força e prender a respiração. Aquilo era apenas o reflexo da vontade de lutar contra o fracasso. E eu lutei...
Abri os olhos e sentei-me na cama. Olhei para as mensagens que escrevi nas paredes e elas afastaram a sombra de tristeza e pessimismo que se abateu sobre mim.
“Existem apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é pensar que tudo é um milagre.”
Liberei minha mente das dúvidas e permiti que um singelo sorriso surgisse em minha face, pois eu havia conseguido. Mais um dia, mais uma vitória, mais um milagre. A força que me fez pular do penhasco ainda estava fervorosa dentro de mim e eu voltei a me sentir bem. Sem razão aparente, eu ri com vontade. Aquela risada tão gostosa exorcizou as preocupações.
Com o coração mais leve, lembrei de Edward e do fato de não termos falado sobre suas pretendentes durante o jantar. Então, levantei da cama e peguei o walkie-talkie que estava sobre a cômoda.
- Edward? - Esperei ele responder. - Edward? Está acordado?
- Agora estou. - Murmurou e eu ri.
- Foi mal, só queria saber se tivemos progressos. Escolheu alguma garota?
- Respondi uma mensagem.
- Uma? - Fiquei chateada. - Te entreguei 28 e-mails.
- Fora as garotas estranhas e o pederasta, até que tinha umas moças simpáticas. O problema é que não tive vontade de responder nenhuma delas, exceto uma moça chamada Mellanie.
- Pela manhã pego sua mensagem e envio pra garota. - Suspirei decepcionada. - Uma? Nem vou discutir por isso.
- Acho bom. - Falou em tom de brincadeira, porém logo percebeu que não entrei no clima. - O que você tem?
- Nada. - Sentei-me na cama. - Só não consigo dormir.
- E por quê?
- É que...
- Espera. Não é da minha conta, desculpe.
- Tudo bem. - Dei um meio sorriso. - Volte a dormir, ok?
Ele ficou em silêncio por um curto tempo.
- Posso te ajudar a dormir... Se quiser.
- Como assim? - Involuntariamente ri.
- Esquece. Foi uma ideia idiota. - Ficou envergonhado.
- Não, agora quero saber o que ia fazer.
- Boa noite, Bella.
- Edward! - Não ia ficar na curiosidade. - Fala, por favor.
Ele gemeu cedendo.
- Deite-se.
- Deitar? - Franzi o cenho.
- Sim.
- Mas...
- Vou desistir. - Ameaçou.
- Tá bom. Não vou criar caso. - Prendi o riso e obedeci.
- Fechou os olhos?
- Vou fechar. - Assim o fiz.
- Deixe sua mente completamente vazia. Não se prenda a nenhum pensamento.
- Vou tentar.
- Shhh... Não fale. Apenas escute. Vou citar um soneto, por isso volte toda a sua atenção pra ele. Concentre-se em cada palavra, em cada pausa, permitindo que ele a deixe sonolenta.
Concentrada, fiquei esperando Edward começar. Pude ouvir sua respiração calma e isso me ajudou a relaxar.
- Fique bem quieta. - Murmurou antes de começar. - Exausto com o trabalho corro ao leito, repouso de meus membros tão cansados; Mas corre a mente agora o curso feito, estando o labor do corpo terminado. - A voz dele soou macia e envolvente, domando com facilidade meus pensamentos. - Lá de onde eu moro, agora, o pensamento parte qual peregrino a ti buscando, e mantém meu olhar alerta e atento pra escuridão que o cego vê, olhando; - A entonação aveludada de Edward somada ao efeito sutilmente melancólico de cada palavra, foram me puxando para a fronteira do inconsciente. - Em fantasia, minha alma cegada à vista sem visão teu vulto traz, que, gema em noite terrível mostrada, faz linda a noite e seu rosto refaz. - Senti-me sendo entregue às mãos do sono, mas ainda assim, de algum jeito, atada ao soneto. - E assim, ao dia o corpo, à noite a mente. Por ti e por mim mesmo paz não sente. - Ouve silêncio. - Soneto 27. Shakespeare.
Perdi-me num breu.
David Archuleta - You Can
Me leve para onde eu nunca estive
Me ajude a levantar novamente
Me mostre que coisas boas vem para aqueles que esperam
Me diga que eu não estou sozinho nessa
Me diga que eu não ficarei sozinho
Me diga que o que estou sentindo não é algum engano
Porque se alguém pode fazer eu me apaixonar,
você pode
Salve-me de mim mesmo, você pode
E é você, e ninguém mais
E se eu pudesse desejar o amanhã
esta noite nunca terminaria
Se você me pedisse, eu poderia compreender
Mas, por enquanto, vou apenas fingir
Porque se alguém pode me fazer apaixonar,
você pode
Querida, quando você olhar para mim, me diga o que você vê
São esses os olhos de alguém que você poderia amar?
Por que tudo o que me trouxe aqui
E agora tudo parece tão claro
Querida, você é a única com quem eu estive sonhando
Se alguém pode me fazer apaixonar,
Você pode
Apenas você consegue
"me fazer navegar" nos seus profundos olhos
Me levante e me faça chorar
E ninguém nunca fez isso
Tudo foi apenas uma mentira
e eu sei, sim, eu sei
Isto é onde tudo começa
Então me diga que nunca vai acabar
Eu posso me enganar, é você e ninguém mais
Se eu pudesse desejar o amanhã,
esta noite nunca terminaria
Se você me pedisse, eu compreenderia
Mas, por enquanto, eu apenas vou fingir
Se alguém pode me fazer apaixonar,
Você pode
Me mostre que coisas boas vem para aqueles que esperam
(…)
De repente, a voz alta de Rosalie fez-me recuperar a consciência. Não entendi o que dizia, mas seu tom chegava a ser preocupante. Um aperto no peito me fez sentir que algo de muito grave tinha acontecido.
- Tem algo errado. - Falei em voz alta.
Voei pelo corredor e disparei pelas escadas. Assim que avistei Jasper e Emmett entrando na mansão com vários ferimentos, me apavorei.
- Meu Deus, o que aconteceu? - Ajudei meu irmão a sentar no sofá. Sua camisa estava toda manchada com sangue que escorria de seu nariz.
- Nós levamos uma surra. Foi isso que aconteceu. - Emmett precisou se apoiar em Rosalie para consegui chegar até mim.
- Como assim? - A loira verificou os hematomas do rosto dele.
- O que aconteceu com vocês? - Edward finalmente chegou e os rapazes o encararam com um ódio que não compreendi. Como ele sabia o que estava acontecendo? Eu tinha dormido! Quem o avisou?
- Falem logo! - Exigi impaciente.
- Fomos tomar uma cerveja em um bar aqui próximo. Uns caras que assistiam um jogo lá começaram a zombar da aparência de Jasper. - Meu irmão cuspiu um pouco de sangue. - No início Jasper não ligou muito, afinal Jasper é que nem bola de futebol, todo mundo chuta. O problema é que depois...
- Depois o negócio ficou feio! - Emmett se alterou. - Jazz levantou para ir ao banheiro e, quando passou pelos idiotas, colocaram o pé na frente só pra ele tropeçar. O maluco caiu com a cara na quina de uma mesa e aconteceu essa desgraça aí. - Apontou pro nariz dele.
- Não me contem o resto. - Ed cruzou os braços. - Aceitaram as provocações e se envolveram em uma briga que sabiam que não podiam ganhar? As pessoas que fizeram isso com vocês já saíram de casa com a intenção de arrumar confusão, então, por favor, me falem por que não usaram a cabeça e foram embora quando podiam? - O cara da selva também se alterou.
- É, T-zed, não usamos a cabeça. Eles que as usaram como saco de pancada. - Abruptamente, Emm se desvencilhou de Rosalie e peitou Edward. - Um sujeito quase esfaqueou Jazz. O cara só escapou porque o dono do bar deu um tiro para o alto dispersando o pessoal. Você tem ideia de quem é a culpa? É sua!
- O quê? Não! - Ele se revoltou. - Não me culpe por serem imbecis o suficiente para se envolverem em brigas. Todas as coisas que tenho falado não serviram de nada?
O clima esquentou e eu não soube como intervir, pois ainda estava chocada.
- Foi exatamente as coisas que falou que nos fizeram enfrentar a situação. - Emmett esbravejou transtornado. - Toda aquela porra de discurso sobre honra, disciplina e coragem nos induziu a agüentar a barra e não sair correndo feito mulherzinhas. E quer saber? A gente se ferrou legal porque no final da contas o Sr. Rei da Floresta não nos ensinou porcaria nenhuma!
- Não fale assim comigo. - Cerrou o punho estreitando os olhos. Sua fisionomia tornou-se desconhecida e sombria a ponto de eu me questionar se de fato o conhecia.
- Falo sim! - Emm empurrou Edward com força. Aflita, precisei agir.
- Epa, epa, epa! - Coloquei-me entre eles e fui ignorada. - Por favor, vamos parar com isso. Temos é que ir pra uma delegacia prestar queixa.
- Qual o problema, T-zed? - Jasper se pronunciou ficando ao lado de Emmett. - Nós fizemos tudo o que mandou, mostramos que queríamos aprender. Nunca nem te questionamos, mas você também nem se empenhou em nos ensinar algo. Faltam poucas semanas para ir embora e nós continuamos nos exercitando toda manhã em troca de nada. Estamos acordando as 05:30, caramba! Era pra estarmos aproveitando nossas férias.
- Ele não se importa, Jazz. - Emm não conseguia esconder a mágoa. - O mané acha que somos medíocres demais pra aprender qualquer coisa com ele. Olha só, está escrito na cara dele. - O pior é que parecia mesmo isso.
- Não devia tê-los enchido de esperanças. - E foi Rosalie, e não eu, quem falou a verdade empurrando Emmett para longe.
- Encerrou o papo, galera. - Tinha quase certeza que Ed não era o guerreiro que os rapazes idealizaram.
- Nunca devíamos tê-lo considerado nosso amigo, seu idiota! - Emmett berrou subindo as escadas.
Me senti no meio de um fogo cruzado. Não sabia se culpava Ed, ou os rapazes por terem esperado demais dele.
- Vamos cuidar desse nariz. - Empurrei Jasper para a cozinha. Antes de sair do cômodo, olhei para trás e falei: - Para o bem de todos, é melhor ficar longe dos rapazes... Por favor.
Edward, repentinamente, voltou a ser o esquisitão mudo que conhecemos no inicio do mês. Isso me incomodou demais.
(...)
Acordei cedo para saber como meus amigos estavam. Vasculhei a casa atrás deles e fiquei muito surpresa quando os encontrei no jardim, correndo em volta da piscina, como faziam todas as manhãs. Eles estavam arrebentados, mas se exercitavam com uma raça que eu não sabia de onde vinha.
- Deviam estar descansando. - Me aproximei e pararam pra falar comigo. - Achei que tinham desistido.
- Até pensamos nisso, mas é tarde demais, pois a primeira lição de T-zed já está gravada em nossa mente. - Disse Emm.
- Que lição? - Indaguei.
- Nunca desistir. - Respondeu Jasper.
- E aí vem ele. - Emmett indicou com a cabeça.
Assim como os rapazes, Ed também não desistiu. Analisou bem meus amigos, os quais permaneceram calados e de cabeça erguida.
- Vocês estão preparados para seguir em frente. Lamento ter demorado pra perceber isso. - Disse com um misto de respeito e arrependimento. - Por termos personalidades tão diferentes, errei em confundir isso com falta de interesse e falta de seriedade. Eu devia ter dado um voto de confiança a vocês e não o fiz. Os persuadi a serem corajosos, mas não os preparei para as conseqüências. Falhei como instrutor.
Emm suspirou, visivelmente arrependido de ter discutido com o selvagem. Então, colocou uma mão no ombro dele e disse:
- Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão.
Edward, cabisbaixo, sorriu como se aquilo fosse algo que tivesse ensinado a eles. Com esforço, compreendi os significados ocultos por trás da frase. Eles se arrependiam de ter perdido a cabeça, ou seja, a razão. Porém, não desistiriam de fazer a coisa certa, e a coisa certa naquele momento era continuar amigos e persistir no treinamento.
- T-zed, vamos começar logo com isso. - Meu irmão se empolgou.
- Tudo bem. - Distanciou-se um pouco da piscina e levou os caras consigo.
Sentei-me em uma espreguiçadeira há poucos metros deles. Estava muito interessada em saber como o cara da selva estava influenciando meu irmão e amigo.
- A Bella vai ficar aqui? - Jazz se incomodou.
- Cala a boca ou vai achar minha mão bem desagradável. - Ameacei na maior.
- Por favor, vamos começar. - Ed tratou de se impor. - Muito bem... - Passou as mãos pelos cabelos. - Krav Magá é um sistema de defesa pessoal. Foi desenvolvido em meados de 1940 por Imi Lichtenfeld e é adotado principalmente pelo Exército Israelense. Executado corretamente, pode livrá-los principalmente de ataques individuais. - Edward me surpreendeu com sua desenvoltura. - O Krav Magá é baseado na força da mente e do intelecto, por isso não precisam de um monte de músculos para praticá-lo. Entendam que todos os movimentos são muito simples, o que facilita a ativação de uma reação quase instantânea em situação de perigo e surpresa. Vou demonstrar. - Virou as costas para os rapazes. - Emmett, tente me estrangular.
- Tem certeza? - Coçou a cabeça.
- Sim, pode usar toda a sua força. - Falou com muita segurança.
- Demorou!
Emm levou a sério e avançou no pescoço do selvagem. Edward imediatamente arrancou as mãos de Emmett de seu pescoço, fazendo-o gemer. Em um movimento rápido, girou o corpo ficando de frente para ele enquanto torcia o braço do infeliz a partir da mão. Edward deu um chute na genitália do meu amigo e até eu fiquei aliviada de ver que não chegou a realmente atingi-lo. Por fim, com o antebraço, golpeou Emmett na garganta e o coitado desabou no chão.
Jasper vibrou, Emmett gemeu e eu fiquei na dúvida sobre o que pensar.
- Você está bem? - O selvagem ajudou meu amigo a levantar.
- Véi, como conseguiu tirar minhas mãos do seu pescoço? Doeu pacas! - Indagou já de pé.
- Os golpes visam atingir os pontos sensíveis do corpo, o que iguala qualquer adversário, independente de sua força física, e torna a defesa muito mais objetiva. Ao invés de afastar suas palmas, afastei seus dedões, que são os pontos fracos. Quando virei, torci o seu braço para imobilizá-lo, mas o chute na genitália é que causa maior impacto e impede o adversário de raciocinar. Atingir a garganta é essencial, pois com o agressor no chão podem ter tempo suficiente para fugir. - Edward me olhou e eu notei que a dica final era pra mim. Não resisti e levantei o braço, louca pra perguntar. - Sim?
- Chute na genitália não é meio... covarde? - Ed não cansava de me espantar. - Isso é certo?
- Certo é não entrar em uma briga, mas se for inevitável é melhor golpear o adversário de forma que ele desista. Façam o possível para não prolongar o conflito. Vocês têm que entender uma coisa... - Virou-se para os rapazes. - Os movimentos são curtos e, por conseqüência, rápidos. Não há regras, pois não é uma arte marcial. O objetivo é mesmo se defender. Vamos simular outro tipo de tentativa de agressão. - Puxou um canivete do bolso da bermuda e o jogou para meu irmão. - Jasper, tente me machucar.
- Como Jasper deve fazer?
- Do jeito que quiser.
Jazz abriu o canivete e se preparou para o ataque.
- Cuidado, hein?! - Pedi sem querer ver ninguém sangrando.
Meu irmão partiu pra cima do selvagem numa tentativa de esfaqueá-lo na barriga. Ed defendeu-se chocando violentamente seu antebraço contra o dele. Em um movimento ágil, torceu com as duas mãos o pulso armado que lhe ameaçava. Jasper perdeu o equilíbrio e Edward aproveitou a oportunidade para simular socos incrivelmente rápidos no rosto dele. Jasper acabou soltando o canivete e, com a arma fora do lance, o selvagem segurou a cabeça de Jazz, pressionando seus olhos com os polegares. Enquanto fazia isso, empurrava a cabeça dele para baixo. A queda foi inevitável e rápida.
- Jasper ainda está no mundo dos vivos? - Resmungou estatelado no chão.
Edward o ajudou a levantar dizendo:
- Evitem que a arma chegue até vocês golpeando o adversário com o antebraço e protegendo a barriga curvando-se. É necessário fazer o agressor perder a força da mão em que se encontra a arma, pressionando e torcendo o pulso dele. As articulações são os pontos fracos. Os segundos que o agressor está incapaz de reagir por causa da dor são valiosíssimos, por isso a rapidez com que contra-atacam socando o rosto dele é essencial. É preciso praticar e desenvolver a capacidade de golpear seguindo instintos e reflexos. Alguma pergunta?
Nós três erguemos a mão.
(...)
Até que foi divertido passar a manhã intera assistindo os rapazes treinando. Parecia que muito ainda tinha que ser feito antes que os movimentos deles se tornassem tão ágeis quanto os de Edward, mas os carinhas estavam motivados e concentrados. Nunca os vi assim e minha constante expressão de perplexidade denunciava isso. Por bastante tempo questionei as habilidades do selvagem. Na verdade, duvidei que soubesse se defender. Eu não podia estar mais enganada...
Os golpes de Krav Magá eram executados por ele com naturalidade e intensidade, e isso era algo que eu não estava acostumada a ver. Em alguns momentos quase morri de vontade de perguntar quando e onde aprendera aquilo, mas eu não queria ser chata e desconcentrar o pessoal.
Nos últimos dias eu tinha começado a julgar Edward de uma forma bem diferente do que tinha julgado no início do mês. Cheguei a achá-lo inofensivo, reservado e bastante ingênuo, porém, em alguns momentos, era como se existissem faíscas em seus olhos. Já tínhamos visto as melhores e piores facetas de Edward? Algo me dizia que não. Parecia que aquele homem tinha sido criado para sobreviver em um mundo que eu nem conseguia enxergar.
(...)
Logo após o almoço, me recolhi no escritório de Charlie para digitar a mensagem de Edward. Coloquei o papel sobre a mesa, mas ainda não o tinha lido. Antes, queria matar minha curiosidade e saber quantas mensagens novas tinha no eutouquerendo.com. Logo que abri a página, me deparei com 20 e-mails. Claro que fiquei surpresa, afinal não considerava o selvagem um partido tão bom assim.
Ia começar a mexer no site quando um aviso enorme na tela me chamou a atenção. Cliquei e li todas as informações. Descobri que o site junto com uma rede de televisão estavam procurando voluntários para participar de um novo programa de TV chamado “ME AZARE!”.
A ideia era colocar um grupo de solteiros em frente às câmeras e entrevistá-los. Os telespectadores poderiam telefonar e enviar e-mails para, literalmente, azara-los. Os solteiros teriam a chance de selecionar os telespectadores que mais lhes agradassem e, assim, conhecê-los pessoalmente no ar.
Abri a página de inscrição para o programa. Eu só tinha que digitar o endereço do perfil de Edward e colocar um número de telefone, mas não consegui ir adiante, pois ia ser maldade jogar o selvagem em rede nacional.
Na maior dúvida, comecei a roer as unhas com os olhos fixos no monitor. Desconsiderando o lado da maldade, se Edward fosse um dos escolhidos meu serviço já estaria feito. Não teria mais que sair por aí vestida de homem para lhe arranjar mulheres.
E agora?
- Não! Não! Não! - Levantei-me. Era capaz de Ed querer me matar por tentar expô-lo. Por outro lado, era possível que nem fosse escolhido. - Sim! Sim! Sim! - Me sentei já digitando o endereço do perfil e o telefone. - Droga! - Esmurrei a mesa. Não tinha jeito de ele querer aparecer na televisão. Como iria convencê-lo? - Esquece, Bella. - Me levantei e fui até a porta. Antes de sair, olhei para trás e me senti incrivelmente tentada. Então um sorriso cintilou em meu rosto. Em um impulso, corri até a mesa e me joguei sobre ela alcançando o teclado.
“ENTER”
Bastou apertar essa tecla para a sorte de Edward ser lançada.
(Continua...)
***
Diário de Bordo - Edward Cullen
Orlando, EUA.
Hoje, depois que voltamos do farol, dormi pouco. Tive um sonho que me deixou inquieto. Sonhei que estava na minha ilha, porém a floresta que me rodeava era totalmente desconhecida. Sentia como se tivesse andado quilômetros, mas continuava perdido. Eu já não conseguia achar o caminho de volta para casa.
O mundo que acreditei conhecer está mudando diante dos meus olhos. Como fui tolo a ponto de achar que em pouco tempo entenderia as mulheres? As personalidades são tão diversificadas que, em alguns momentos, me senti completamente perdido no Bucaneiro. Ouvi coisas que não entendi, e entendi coisas que preferia não ouvir.
A presença de Bella ajudou em certos momentos, mas a maior parte do tempo ela se atrapalhou e me arrastou para suas peripécias. É impossível não rir quando lembro de alguns momentos. Quando acredito que ela já fez todas as loucuras que um ser humano pode inventar, a pequena mulher surpreende-me a ponto de todos questionarem sua sanidade mental.
Falando em sanidade mental... Bella devia estar totalmente fora de si quando me puxou para dançar. Inicialmente relutei, ficando bastante constrangido. Mesmo assim, a garota continuou a passar a mão em mim como se eu fosse uma mercadoria em exposição. Não a detive porque não resisti à curiosidade. Precisava saber até onde ela iria só para conseguir provar que podia me ajudar.
Como um bobo, entrei em seu jogo, mesmo sabendo que era só para chamar a atenção das mulheres à nossa volta. Ainda assim, não deixou de ser perturbador. Parecia que alguém tinha congelado o meu estômago e mergulhado o resto do meu corpo em água fervente. Conforme repassávamos tudo que aprendemos com o livro de auto-ajuda, mais complicado se tornava distinguir o que era permitido entre amigos e o que não era. Eu nunca tive uma amiga. Quais são as regras? Que tópicos abrangem? Beijar na boca é socialmente aceito? Por que Bella continua a beijar-me?
O primeiro beijo foi quase um acidente. O segundo um erro e o terceiro incoerente. Eu não devia tê-la deixado me influenciar no segundo beijo, já que foi ele quem embaralhou minhas idéias.
Será que posso culpar meu grande defeito, a curiosidade? Queria sentir, provar e vivenciar a experiência, mesmo não sendo com a pessoa certa. Não é típico de mim ser tão inconsequente, só que ambos fomos impelidos pelas circunstâncias nada convencionais.
Tinha me preparado mentalmente para esse tempo e essa terra, mas não me preparei para deitar-me junto de uma mulher nua. Não fazia parte dos meus planos tocar-lhe e muito menos beijá-la. Foi um choque pra mim corresponder o beijo com tanta... tanta... Não encontro uma palavra que se encaixe nessa frase.
Acreditava que meu autocontrole era forte como uma rocha, mas em apenas uma noite essa garota da cidade mostrou-me do que sou feito. Ossos, sangue, e carne. Todos os meus instintos sexuais afloraram e, momentaneamente, perdi a razão. Se Bella não tivesse me interrompido, não tenho dúvidas de que teria atravessado todos os limites. Àquela noite não me reconheci. Em meu estado normal, nunca desejaria Bella tão intensamente. Confesso... Foi gostoso.
Droga! Parecemos duas peças de um quebra-cabeça que não foram feitas para se encaixar. É irônico eu estar escrevendo que desejei Bella, se a maior parte do tempo a acho extremamente boba. Mais que isso, em alguns momentos ela é simplesmente burra. É grosseiro eu me referir à garota assim, mas Bella não se ajuda. Fala coisas que chegam a doer de tão errado. Por que ela não pensa antes de abrir a boca? Por mais que ela tenha crescido em meu conceito, ainda continua sendo alguém difícil de se conviver. É preciso ter muita paciência, sorte que eu tenho.
Todos esses equívocos acabarão quando eu achar uma garota compatível comigo. Será mais fácil compreender o amor e seus derivados com alguém madura e confiável.
Mas minha consciência não me deixa ser injusto com Bella. Existem coisas que admiro nela. Sua atitude no farol e a forma como me convenceu a pular foram excelentes. Tentei persuadi-la a optar por sua segurança, no entanto, ao falar que estava cansada de ter medo, me fez lembrar de uma frase dita por Mandela: "Não é valente o que não tem medo, mas sim o que sabe dominá-lo". E Bella fez isso muito bem. Como eu podia negar que pelo menos uma vez pensamos igual? Foi um dos poucos momentos em que as diferenças de nossas culturas não pesaram. Não importava de onde vínhamos. Só importava para onde íamos.
Pular do penhasco foi incrível. Já tinha feito coisas semelhantes antes, mas o fato de não conhecer o local, e nem saber se acabaríamos nos chocando contra as rochas fez minha adrenalina chegar ao ápice. Sempre vou me lembrar daquele amanhecer.
Até fiquei inspirado. Me deu vontade de desenhar. Farei isso agora mesmo, enquanto as imagens ainda estão vivas em minha mente.
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Próximo Capítulo Aqui!
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